À noite, as ruas são desertas em Bel Air, o principal e mais destruído bairro de Porto Príncipe, capital do Haiti. Praticamente não há energia elétrica. Há poucos pontos de luz, o que esconde apenas parte da pobreza, do esgoto lançado nas calçadas e dos animais que circulam entre o lixo.
Os escombros do terremoto que há um ano devastou o país que já era o mais pobre das Américas ganham mais destaque durante o dia. As pessoas saem às ruas, circulam entre barraquinhas que vendem de tudo e exalam mau cheiro, todos estão aglomerados em meio ao caos junto ao trânsito de carros velhos da cidade destruída.
No próximo domingo, porém, um grupo de brasileiros decidiu mudar um pouco este cenário que mais parece de pós-guerra.
"Tem gente dando água, comida, barraca. E os haitianos precisam de tudo isso, claro. O que a gente podia fazer a mais? Amanhã as ONGs vão embora e fica o quê? Escolhemos o esporte", diz o capitão Bernardo Correa Neto, idealizador da Jornada Haitiana do Esporte pela Paz.
| Marcel Merguizo/Folhapress
|
|
|
Da esquerda para direita: Claudinei Quirino, Sandro Viana, a ginasta Dayane Camillo, o nadador Luiz Lima e Nilo Arêas posam para foto em base militar em Porto Príncipe, no Haiti |
A fala do militar foi para um grupo de líderes comunitários, dirigentes esportivos haitianos e atletas brasileiros que estavam na apresentação da corrida de 6km que será realizada neste domingo, nas ruas de Bel Air.
"Ninguém mais pratica esporte em Porto Príncipe, porque não tem ninguém que invista em esporte aqui", afirma Correa Neto na reunião no 2.º Batalhão de Infantaria de Força de Paz (Brabatt 2).
Uma volta em Porto Príncipe e já é possível confirmar a declaração do capitão. Os campos de futebol, o de golfe, um de tênis, estão todos ocupados por barracas de desabrigados vítimas do terremoto.
Uma corrida de rua, então, seria uma forma simples de mobilizar os haitianos pelo esporte. Mas, segundo Correa Neto, desde novembro passado há tentativas frustradas de realizar tal corrida. Para a que deste domingo ocorra, o Exército brasileiro colocará cem de seus homens para fazer segurança do percurso. Outros cem vão participar da prova. Ao todo serão 500 atletas, sendo 360 haitianos. Estes, ganharão cestas básicas ao final da corrida.
A largada da prova será na base do Porto, antes ocupada pelo Exército americano e hoje pelos brasileiro. A chegada será na sede da ONG Viva Rio, que atua no Haiti desde 2004 com trabalhos que vão do saneamento básico ao esporte.
A corrida de 6km conclui a Jornada Haitiana do Esporte pela Paz, evento organizado pela ONU, Exército Brasileiro, ONG Viva Rio e Prefeitura de Manaus. A Jornada levou a Porto Príncipe atletas como Claudinei Quirino (atletismo), Sandro Viana (atletismo), Dayane Camillo (ginástica rítmica), Luiz Lima (natação), Antônio Pizzonia (automobilismo), José Aldo (lutas) e Nalbert (vôlei).
"Todo brasileiro se sensibilizou com a história dos haitianos. Eu sempre quis ajudar, chegou a minha hora", conclui o atleta olímpico Sandro Viana.
Hoje o Esporte Espetacular apresentou essa corrida ao público, bem na hora do almoço.
Se havia algum apetite, ele foi embora.
A miséria na qual aquela gente vive é terrível.
Lágrimas são inevitáveis quando a gente vê uma criança de 6 anos, o Maurice, correndo 6Km com um tênis emprestado, muito maior do que o seu pé, em troca de água limpa pra beber e duas bananas de prêmio aos que terminaram a corrida.
A corrida aconteceu no meio dos escombros do terremoto do ano passado, em ruas completamente destruídas, no meio do lixo, da miséria extrema.
Eles disputam comida com os animais.
Pombos, símbolos da paz, são alimento cobiçado.
Doeu o coração.
Gostaria MUITO de poder ajudar essa gente, como tantos outros que vivem em situação semelhante no Haiti, no Brasil e em tantas partes desse nosso mundo.
Mas o que fazer?
Mandar dinheiro? Não vai chegar lá...
Mandar donativos? Não vão chegar lá...
Ir pra lá? Não sei se posso, se tenho coragem, se tenho saúde, se aguento ver tanta tristeza.
Me sinto amarrada e amordaçada.
A comida na minha frente perdeu o saber, o apetite foi embora.
Dá remorso comer diante daqueles crianças famintas, mesmo que elas não possam me ver.
Aquele menino correu 6 Km preocupado com a saúde do adulto que estava ao lado dele, sem lembrar que o adulto estava ali alimentado, trabalhando, enquanto ele próprio corria atrás da sua sobrevivência.
Queria trazê-lo pra casa, oferecer uma cama limpinha, comida gostosa, carinho, saúde, educação.
Ah!, como eu queria...
Ao final da reportagem o Régis Resling (não sei se é assim que escreve) disse: "se Maurice foi capaz de correr 6 Km por duas bananas, o que ele não seria capaz de fazer por um prato de comida? ".
Acabou comigo!