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quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Adeus sogrinha





Saudade é uma coisa esquisita.
Não tem cheiro, cor, sabor.
Não é quente nem fria.
É apenas escura.
E parece que é oca.

Há alguns dias a minha amiga mais querida, minha companheira, minha paciente favorita, minha velhinha, minha sogrinha resolveu me deixar aqui, sozinha, sem ela, para sempre.
Para sempre parece tempo demais e ela bem poderia ter insistido mais em me explicar que seria logo e não aos 102 anos, como a vovozinha.
Ainda fez gracinhas, brincou, mandou beijos e fez muitos carinhos, tentando despistar o que iria fazer comigo. Fez questão de dizer que peito não é barriga! E que eu estava errada.
Esperou que eu saísse, só um instantinho e foi embora à francesa, sem dizer adeus pra mim.
Não posso culpá-la. Provavelmente também pra ela seria ruim a despedida apressada.
E agora me vejo diante de um tempo ocioso e insistente, que não me deixa pensar em mais nada.
Secou minha criatividade, meu entusiasmo, meu sorriso. Este ainda pode aparecer, falso como uma flor de plástico.

Hoje senti seu cheiro no lencinho de seda que trouxe dos Alpes alemães de presente e que ela tinha peninha de usar. Voltou pra casa comigo, no meu pescoço, apertando o nó que havia dentro dele.
Mexer nas coisas é estranho, fico aguardando a bronca por ter tirado alguma coisa do lugar.
Mas a bronca não vem, como o riso não vem depois da palavra errada, da confusão de nomes, da troca de ingredientes da receita. "Não é café, sogrinha, tem que ser tempero".
Gabarito e guarita ficarão pra sempre na memória, assim como o avião que a trouxe de Carapicuiba.
E houve tantas outras pérolas que eu não escrevi e a memória vai tirar de mim do mesmo jeito que ela me foi tirada. Sem preparo, sem despedidas.
Mas uma coisa nunca vão tirar de mim: o carinho e o amor que eu recebi, a confiança, as mãos apoiadas, o abraço apertado e o beijo inesperado.
E o carinho na hora do cansaço, quando o corpo e a mente já não suportavam mais o prolongamento daquilo.

Adeus às brigas para pagar a conta do supermercado, ao patê de fígado, à teimosia em carregar as sacolas, à compota, às aulas de russo, de história. As conversas sobre família, aos risos nos provadores das lojas. Adeus aos preparativos pra Páscoa, pro Natal, pros aniversários, às compras de presentes. Adeus aos pacotes de ricota pra peneiras, sob seus olhos atentos.
Adeus aos cabritinhos do céu, aos relatos de terrenos medidos em toda parte.
Adeus às histórias de vida. E que vida. Longa, cheia de aflições e até privações, mas sempre ali, com a família.
Adeus aos curativos, às massagens nas pernas e nos pés cansados e doloridos, sentada no banquinho e ouvindo histórias.

Adeus aos telefonemas divertidos, aos passeios no shopping, andando devagarinho pra não ficar cansada. Adeus aos almoços variados, à cebola favorita do OutBack e à costelinha pra comer com a mão. Adeus ao café com mais chantilly que café, com muitos docinhos pra acompanhar. Adeus ao restaurante árabe que nos abandonou sem deixar pistas, ao franguinho do Galeto´s, ao café na padaria.



Adeus aos recados pela internet, às revelações de 10 cópias de cada foto.
Adeus às listinhas de compras no papel minúsculo, escrito em russo pra eu não comprar "luxo" demais. Adeus aos olhinhos piscando muito pedindo companhia pra missa. Adeus aos amigos que fizemos juntas pelos caminhos que percorremos.
Adeus aos "minha querida", "meu anjo", "minha norinha amada".
Ficarão as lembranças, as fotos, os bilhetinhos. Principalmente o último. Esse. Onde tudo se resume e se esclarece, pra quem não soube entender até aqui.
De uma coisa eu tenho certeza: você vai deixar de aparecer, sogrinha, mas jamais vai deixar de SER.
Também te amo.


4 comentários:

  1. Didi!Li,palavra por palavra...emocionada,muito emocionada, mas sobretudo aprendendo,como uma aluna de "primeira viagem..."Que mestra vc é nesta aula de relacionamento humano!Imagino a felicidade não só da "Sogrinha",esta senhora que vc nos apresenta revelando sua energia,sabedoria ,personalidade austera e de bondade cativante...Mas encanta-me pensar na felicidade do Paulo Feofiloff,tendo a sorte de proporcionar à própria Mãe,uma"Norinha" como você , como "Anjo da Guarda" para a sua Mamãe!Grandes mulheres, ambas!Parabéns pelo encanto de homenagem neste texto admirável...invejável!

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  2. Que texto lindo Didi!
    Onde quer que ela se encontre, vai estar olhando para você!
    As pessoas vão, mas os exemplos e as lembranças ficam.
    Que bom que tens tanta coisa boa para lembrar.
    Um abraço para você.

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  3. Deus console o seu coração,ela cumpriu a sua missão e foi a sua companheira amada,anjo não se entristece,tenha certeza que ela está em um lugar lindo e tenha fé que um dia ainda irão se reencontrar!!!Bjsss no seu coração!!!

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  4. Minha querida, a emoção toma conta....qie linda sua estória e de sua sogra, que bom seria o mundo com mais sogras assim e mais noras assim tb.....fico feliz por vc ter tido ela, e com certeza ela tb foi feliz tendo vc. Beijocas

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